Autorretrato de Lívio Soares de Medeiros |
Aos 49 anos de idade, o escritor, professor e fotógrafo Lívio Soares de Medeiros, ressignifica cada momento da própria existência por meio da literatura. Seja lendo livros e artigos, ou escrevendo crônicas, poesia ou textos opinativos.
Nas redes sociais, ele provoca debates e agita os ânimos dos amigos e seguidores por meio dos fotopoemas e colunas que frequentemente publica acerca de temas atuais, sempre pungente e antenado.
Professor de português e inglês no campus de Patos de Minas do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM), Lívio também é autor de oito livros impressos, publicados nos últimos vinte anos.
Nascido em Patos de Minas no dia 18 de outubro de 1970, Lívio é ávido por leitura desde a infância, e além da escrita da palavra, explora a escrita da luz por meio de fotografias de animais, retratos de pessoas e imagens aéreas feitas por drone.
A seguir, a transcrição na íntegra da entrevista feita por meio de mensagens de áudio, via aplicativo WhatsApp, à Lívio Soares de Medeiros pelo Jornal de Patos:
Jornal de Patos: Conte sobre sua infância: o que costumava fazer, onde morou e em que escolas estudou?
Lívio Soares de Medeiros: Minha infância foi normal, por mais pobre que essa palavra possa soar. Morei praticamente a minha vida inteira na Rua Duque de Caixas, quando ela ainda nem era asfaltada. Eu estudei na Escola Estadual Frei Leopoldo, antes dela se tornar municipal e quando ainda era situada na esquina da Rua Minas Gerais com a Avenida Brasil, bem pertinho de casa.
Diria que eu não fazia nada de especial na minha infância, nunca fui muito saudosista. Ela foi comum, trivial e prosaica, levando em conta o que minha geração fazia de bagunça. Sim, eu quebrei janela de vizinho, joguei bola na rua, etc.
Na época as coisas não eram tão perigosas, não havia muro na minha casa e ficávamos brincando e conversando na rua até as 22, 23 horas. Hoje em dia, um moleque ficar na rua até essas horas é algo inimaginável. E não era só a gente. Os adultos também ficavam do lado de fora das casas, conversando até tarde. Eu não pensava nisso como algo especial ou mágico e ainda continuo não vendo isto assim. Se por um lado as coisas pioraram, por outro, elas melhoraram muito.
JP: Seu interesse pela literatura veio desde criança?
LSM: Para isso eu responderia com um sim muito retumbante! Ainda que na época eu não sabia que o nome disso era literatura. A minha família era pobre. Nunca passamos fome, mas o padrão de vida não era como o de agora. Ainda sim, convivi muito com a leitura por influência do meu pai, que lia as revistas em quadrinhos de faroeste do “Tex”. Como as revistas chegavam em certa periodicidade, ele as lia e depois me passava. Ele também lia um jornal em formato tabloide chamado “Boletim Informativo”, e consequentemente eu o lia. Havia nele uma coluna em que frases do Millôr Fernandes eram publicadas, e eu achava aquilo diferente, principalmente o nome do escritor.
Não entrei para a escola no primário, pois no meu imaginário aquilo era algo que apenas gente rica fazia. Quando eu pisei numa escola pela primeira vez, eu já tinha sete anos, mas curiosamente eu já tinha rudimentos de matemática, porque meu pai me tomava a tabuada, e eu também já escrevia algumas palavras, por influência da minha mãe. Meu pai morreu em 99 e minha mãe ainda está viva. Eles eram praticamente analfabetos, mas em função de conhecerem as dificuldades que o semi-analfabetismo podia trazer, eram pessoas bastante curiosas.
Na escola, foi natural que eu logo me interessasse pela obra “As mais belas histórias”, da escritora Lúcia Casasanta, uma coleção de livros publicada em quatro volumes, da qual eu me lembro exatamente da capa azul muito escura, com a figura da Rapunzel. Se fosse pra eu eleger ou elencar um pontapé inicial eu diria que foi por meio destes livros.
Também li alguns livros da série Vagalume, da Editora Ática. Li “O Menino do Dedo Verde” de Maurice Druon e também “Cazuza” do Viriato Correa, que gostei tanto que até desenhei a capa do livro.
Meu interesse pela literatura se solidificou na adolescência, em função do meu temperamento. Eu era e ainda sou muito tímido e a princípio eu tive na leitura, um refúgio e isso foi o que me salvou, no sentido mais pleno da palavra. Devo a literatura tudo o que eu sou, porque a medida em que a gente vai lendo, vamos alargando os nossos interesses.
Nas redes sociais, ele provoca debates e agita os ânimos dos amigos e seguidores por meio dos fotopoemas e colunas que frequentemente publica acerca de temas atuais, sempre pungente e antenado.
Professor de português e inglês no campus de Patos de Minas do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM), Lívio também é autor de oito livros impressos, publicados nos últimos vinte anos.
Nascido em Patos de Minas no dia 18 de outubro de 1970, Lívio é ávido por leitura desde a infância, e além da escrita da palavra, explora a escrita da luz por meio de fotografias de animais, retratos de pessoas e imagens aéreas feitas por drone.
A seguir, a transcrição na íntegra da entrevista feita por meio de mensagens de áudio, via aplicativo WhatsApp, à Lívio Soares de Medeiros pelo Jornal de Patos:
Jornal de Patos: Conte sobre sua infância: o que costumava fazer, onde morou e em que escolas estudou?
Lívio Soares de Medeiros: Minha infância foi normal, por mais pobre que essa palavra possa soar. Morei praticamente a minha vida inteira na Rua Duque de Caixas, quando ela ainda nem era asfaltada. Eu estudei na Escola Estadual Frei Leopoldo, antes dela se tornar municipal e quando ainda era situada na esquina da Rua Minas Gerais com a Avenida Brasil, bem pertinho de casa.
Diria que eu não fazia nada de especial na minha infância, nunca fui muito saudosista. Ela foi comum, trivial e prosaica, levando em conta o que minha geração fazia de bagunça. Sim, eu quebrei janela de vizinho, joguei bola na rua, etc.
Na época as coisas não eram tão perigosas, não havia muro na minha casa e ficávamos brincando e conversando na rua até as 22, 23 horas. Hoje em dia, um moleque ficar na rua até essas horas é algo inimaginável. E não era só a gente. Os adultos também ficavam do lado de fora das casas, conversando até tarde. Eu não pensava nisso como algo especial ou mágico e ainda continuo não vendo isto assim. Se por um lado as coisas pioraram, por outro, elas melhoraram muito.
JP: Seu interesse pela literatura veio desde criança?
LSM: Para isso eu responderia com um sim muito retumbante! Ainda que na época eu não sabia que o nome disso era literatura. A minha família era pobre. Nunca passamos fome, mas o padrão de vida não era como o de agora. Ainda sim, convivi muito com a leitura por influência do meu pai, que lia as revistas em quadrinhos de faroeste do “Tex”. Como as revistas chegavam em certa periodicidade, ele as lia e depois me passava. Ele também lia um jornal em formato tabloide chamado “Boletim Informativo”, e consequentemente eu o lia. Havia nele uma coluna em que frases do Millôr Fernandes eram publicadas, e eu achava aquilo diferente, principalmente o nome do escritor.
Não entrei para a escola no primário, pois no meu imaginário aquilo era algo que apenas gente rica fazia. Quando eu pisei numa escola pela primeira vez, eu já tinha sete anos, mas curiosamente eu já tinha rudimentos de matemática, porque meu pai me tomava a tabuada, e eu também já escrevia algumas palavras, por influência da minha mãe. Meu pai morreu em 99 e minha mãe ainda está viva. Eles eram praticamente analfabetos, mas em função de conhecerem as dificuldades que o semi-analfabetismo podia trazer, eram pessoas bastante curiosas.
Na escola, foi natural que eu logo me interessasse pela obra “As mais belas histórias”, da escritora Lúcia Casasanta, uma coleção de livros publicada em quatro volumes, da qual eu me lembro exatamente da capa azul muito escura, com a figura da Rapunzel. Se fosse pra eu eleger ou elencar um pontapé inicial eu diria que foi por meio destes livros.
Também li alguns livros da série Vagalume, da Editora Ática. Li “O Menino do Dedo Verde” de Maurice Druon e também “Cazuza” do Viriato Correa, que gostei tanto que até desenhei a capa do livro.
Meu interesse pela literatura se solidificou na adolescência, em função do meu temperamento. Eu era e ainda sou muito tímido e a princípio eu tive na leitura, um refúgio e isso foi o que me salvou, no sentido mais pleno da palavra. Devo a literatura tudo o que eu sou, porque a medida em que a gente vai lendo, vamos alargando os nossos interesses.
Imagem dramática do cachorro "Tito" de Lívio Soares de Medeiros |
JP: Quando decidiu cursar Letras e como foi a graduação?
LSM: Eu comecei o curso de Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patos de Minas, no ano de 1998. Não era o mais velho da turma, mas era velho para os padrões da época. Minha primeira opção a princípio não seria cursar Letras, e sim, Matemática. Meu ensino médio foi técnico e voltado para a área de engenharia civil. Cheguei até a fazer edificações no Polivalente e estava mais familiarizado com a área. Eu pensava que eu nunca fosse fazer ensino superior.
A mudança veio quando encontrei alguém que não me lembro do centro da cidade e comentei sobre meu interesse de fazer Matemática. Esse alguém disse que eu era um leitor e por isso deveria cursar Letras. Eu acreditava que nessa área meu interesse seria pelo Jornalismo, mas nessa época ainda não havia o curso em Patos de Minas e eu não teria condições financeiras de estudar fora.
Me decidi por cursar Letras na última hora e minha graduação foi a melhor possível. Nunca fui um aluno muito brilhante na minha formação escolar, e tive muitos altos e baixos. Todavia, quando ingressei no ensino superior, decidi que eu seria um bom aluno. Até porque eu já era adulto, estava com 27 anos. Se por um lado eu não me conhecia como eu me conheço hoje, por outro, eu já me conhecia mais do que quando era adolescente.
Aprendi muito em minha graduação. Tive excelentes professores e amizades que ainda permanecem. Devo muito ao curso de Letras, assim como devo à leitura. Digo isso num sentido mais amplo, que reflete no modo como leciono minhas próprias aulas. O curso foi útil não somente em minha profissão, mas para toda minha vida. Devo muito aos professores. Até entendo as pessoas não se interessarem por Letras devido ao mercado, devido ao nosso país em que professores não são valorizados, mas eu recomendo muito.
JP: Quais são as suas principais influências literárias?
LSM: Essa é uma pergunta difícil de responder. Num nível geral eu diria que minhas influências foram tudo que li. Se for para falar de autores, na minha adolescência li muito Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, e alguns cronistas brasileiros, dentre eles, o próprio Drummond. Por influência disso, durante um ponto da minha vida eu cheguei a escrever várias crônicas.
Depois disso veio o interesse pelos clássicos, porém eu era muito novo e não soube aproveitá-los quando eu os li. Eram clássicos que demandavam maturidade e maior conhecimento de mundo. Eu sabia que havia algo ali que eu ainda havia não alcançado e que merecia ser revisitado, logo, posteriormente revisitei vários clássicos que havia lido na pré-adolescência. Li muito Machado de Assis e Fernando Sabino, cujo livro “O Menino no espelho”, me marcou bastante.
À medida em que a adolescência foi ficando pra trás, parti para a literatura latina e li muito Pablo Neruda. Eu brinco que ele é um escritor muito bom para ler quando se é jovem. Não estou dizendo que um adulto não poderá gostar, mas quando eu era adolescente, tinha um senso de rebeldia que combinava com aquilo. Também li e releio até hoje escritores como Jorge Luís Borges e Gabriel García Márquez. Em seguida veio o interesse pela literatura norte-americana e inglesa e no futuro eu acabaria dando aula dessas disciplinas no Unipam. Tenho uma grande predileção por Shakespeare e Jonathan Swift, autor da obra “As Viagens de Gulliver”, tida como infanto-juvenil, mas bem amarga, com uma temática adulta, mesmo pelo caráter de aventura, mas que depõe contra a própria humanidade.
Com a literatura francesa conheci “As relações perigosas” de Pierre Choderlos de Laclos, provavelmente, o livro que mais reli em minha vida. Também gosto bastante de Fernando Pessoa. Com certeza assim que ler esta entrevista irei me arrepender de não ter citado diversos outros escritores para responder esta pergunta.
LSM: Eu comecei o curso de Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patos de Minas, no ano de 1998. Não era o mais velho da turma, mas era velho para os padrões da época. Minha primeira opção a princípio não seria cursar Letras, e sim, Matemática. Meu ensino médio foi técnico e voltado para a área de engenharia civil. Cheguei até a fazer edificações no Polivalente e estava mais familiarizado com a área. Eu pensava que eu nunca fosse fazer ensino superior.
A mudança veio quando encontrei alguém que não me lembro do centro da cidade e comentei sobre meu interesse de fazer Matemática. Esse alguém disse que eu era um leitor e por isso deveria cursar Letras. Eu acreditava que nessa área meu interesse seria pelo Jornalismo, mas nessa época ainda não havia o curso em Patos de Minas e eu não teria condições financeiras de estudar fora.
Me decidi por cursar Letras na última hora e minha graduação foi a melhor possível. Nunca fui um aluno muito brilhante na minha formação escolar, e tive muitos altos e baixos. Todavia, quando ingressei no ensino superior, decidi que eu seria um bom aluno. Até porque eu já era adulto, estava com 27 anos. Se por um lado eu não me conhecia como eu me conheço hoje, por outro, eu já me conhecia mais do que quando era adolescente.
Aprendi muito em minha graduação. Tive excelentes professores e amizades que ainda permanecem. Devo muito ao curso de Letras, assim como devo à leitura. Digo isso num sentido mais amplo, que reflete no modo como leciono minhas próprias aulas. O curso foi útil não somente em minha profissão, mas para toda minha vida. Devo muito aos professores. Até entendo as pessoas não se interessarem por Letras devido ao mercado, devido ao nosso país em que professores não são valorizados, mas eu recomendo muito.
JP: Quais são as suas principais influências literárias?
LSM: Essa é uma pergunta difícil de responder. Num nível geral eu diria que minhas influências foram tudo que li. Se for para falar de autores, na minha adolescência li muito Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, e alguns cronistas brasileiros, dentre eles, o próprio Drummond. Por influência disso, durante um ponto da minha vida eu cheguei a escrever várias crônicas.
Depois disso veio o interesse pelos clássicos, porém eu era muito novo e não soube aproveitá-los quando eu os li. Eram clássicos que demandavam maturidade e maior conhecimento de mundo. Eu sabia que havia algo ali que eu ainda havia não alcançado e que merecia ser revisitado, logo, posteriormente revisitei vários clássicos que havia lido na pré-adolescência. Li muito Machado de Assis e Fernando Sabino, cujo livro “O Menino no espelho”, me marcou bastante.
À medida em que a adolescência foi ficando pra trás, parti para a literatura latina e li muito Pablo Neruda. Eu brinco que ele é um escritor muito bom para ler quando se é jovem. Não estou dizendo que um adulto não poderá gostar, mas quando eu era adolescente, tinha um senso de rebeldia que combinava com aquilo. Também li e releio até hoje escritores como Jorge Luís Borges e Gabriel García Márquez. Em seguida veio o interesse pela literatura norte-americana e inglesa e no futuro eu acabaria dando aula dessas disciplinas no Unipam. Tenho uma grande predileção por Shakespeare e Jonathan Swift, autor da obra “As Viagens de Gulliver”, tida como infanto-juvenil, mas bem amarga, com uma temática adulta, mesmo pelo caráter de aventura, mas que depõe contra a própria humanidade.
Com a literatura francesa conheci “As relações perigosas” de Pierre Choderlos de Laclos, provavelmente, o livro que mais reli em minha vida. Também gosto bastante de Fernando Pessoa. Com certeza assim que ler esta entrevista irei me arrepender de não ter citado diversos outros escritores para responder esta pergunta.
Imagem aérea da Praça do Coreto feita por um drone. |
JP: O que você está lendo no momento?
LSM: No momento estou lendo dois livros paralelamente. O novo livro do Jessé Souza intitulado “A guerra contra o Brasil”, que nada mais é do que o bom e velho Jessé Souza, sendo Jessé Souza. Um livro imprescindível, assim como todos os demais dele.
E estou lendo também uma biografia de uma autora que admiro demais, aproveitando para complementar a resposta anterior de escritores que me influenciam, com esta poetisa polonesa Wisława Szymborska. Outra autora que revisito com muita frequência e me faz um bem danado ler, reler e conhecer sobre.
JP: Suas obras transitam por modalidades como poesia e prosa, passeando pelas crônicas, contos, etc. De todos os livros que publicou, qual considerou mais desafiador e qual é o seu favorito?
LSM: Sempre tive muita dificuldade em eleger qualquer coisa preferida. Mas respondendo à pergunta, citarei três deles: o segundo livro que escrevi “Algo de sempre”, a obra infantil “O livro de João” e o último que escrevi “O Fim do Brasil”. O meu menos favorito, nem tanto pela temática, mas pelo modo que foi escrito, é “Leve poesia”, meu primeiro livro, lançado no ano 2000, que hoje encaro com certa reserva.
O livro mais desafiador que escrevi foi o último, porque ele foi lançado no olho do furacão, enquanto o furacão ainda está em vigor. Evidentemente a obra fala sobre como eu vejo a política e o Brasil. Em especial, o Brasil de 2013 pra cá, quando começaram as manifestações em São Paulo, a princípio locais, em virtude do preço da passagem dos ônibus, o que depois tomou outra dimensão a partir do papel da mídia. Um livro com a pretensão ou intenção – depende de quem o ler - de ser o testemunho de como eu vejo o brasileiro.
Ele é bastante desafiador em como está sendo recebido, pois o livro pode provocar discordâncias profundas devido ao cenário político e polarizado pelo qual estamos passando. Ele pode até ser mal aceito, o que eu confesso, não me preocupar. Não irá pairar um consenso em torno dele, mas eu já sabia disso quando o escrevi.
JP: Conte um pouco de sua trajetória como comunicador em Patos de Minas.
LSM: Eu ouvindo bastante rádio por influência do meu pai, que também escutava muito rock e música caipira. Ele era eclético, e lá em casa havia a discografia do Led Zeppelin, discos dos Beatles e da banda Uriah Heep, e ao mesmo tempo escutávamos Tonico & Tinoco e muito rádio.
Cresci ouvindo a velha guarda do rádio brasileiro e patense, com a Rádio Clube, a Rádio Princesa de Lagoa Formosa, e rádios do Rio de Janeiro e São Paulo. Lembro de escutar o Faustão em rádio, no programa Balancê, da extinta rádio Excelsior. Escutei demais a Rádio Globo do Rio, com o vozeirão padrão do Edmo Zarife. Foi natural que despertasse o interesse e na adolescência já me veio a vontade de trabalhar em rádio. Antes de trabalhar no rádio eu dava aula de inglês e em meados de 1989, comecei na Rádio Clube FM, onde trabalhei por 15 anos. Foi um tempo muito bom porque eu queria muito aquilo e o rádio me proporcionava muita alegria, além de camuflar a minha timidez.
Eu era leitor da revista musical Bizz e tive a ideia a de levar o universo das bandas que eu ouvia para o rádio, tentando fazer com que além de tocar as músicas e dizer a hora certa, também informar os ouvintes. Foi um estilo que adotei e eu me tornei um locutor que eu mesmo gostaria de escutar. Era difícil fazer isto, pois não havia internet, mas eu sempre procurava me informar sobre o que estava acontecendo lá fora. Hoje eu confesso que perdi o contato com o rádio, e ele se tornou um meio de comunicação com que eu raramente convivo. Perdi o interesse pelo rádio feito em Patos de Minas e no Brasil, mas devo muito a esse meio de comunicação, que é no mínimo muito charmoso.
JP: Nas redes sociais você está sempre ligado ao que acontece na cidade e quase sempre, fotografa os assuntos que estão em evidência. Percebo ainda que estes trabalhos fotográficos aparecem acompanhados de versos. Como você relaciona a fotografia com a poesia?
LSM: O exercício intenso da fotografia veio tarde em minha vida, quando eu tinha uns 34 anos. Na época eu comprei a minha primeira câmera digital, uma Canon Powershot A300, que me arrependo de ter vendido. Eu a comprei num momento em que eu já não fotografava há muito tempo. Na minha adolescência e começo da vida adulta, fotografei muito e já tinha um entusiasmo por aquilo.
De 2004 pra cá, o exercício da fotografia intensificou bastante. Pela facilidade do digital, passei a fotografar demais. Como eu já havia publicado os dois primeiros livros “Leve Poesia e “Algo de sempre”, e um bom número de crônicas na imprensa local, foi meio natural a tentativa de criar uma convergência ou união entre a fotografia e a literatura. Eu chamo isso de fotopoemas, e por meio disso eu tentei e tento até hoje, nunca soar óbvio.
Curiosamente, o modelo para isso veio com uma coluna que na havia na revista Caras. Havia duas seções que eu me interessava bastante, uma de citações de personalidades, e outra chamada “Foco”. Nesta coluna de apenas uma página, havia uma foto de banco de imagens, devidamente creditada, acompanhada de um poema de algum escritor famoso. O responsável pela coluna tinha a sensibilidade de fazer com que os dois dialogassem, sem que esse diálogo soasse óbvio.
Desde então, eu tento fazer isso no que eu produzo. Há momentos em que o texto vem primeiro, ou vice-versa. As vezes tiro uma foto que pode ser usada num poema, mesmo que ele ainda não tenha sido escrito.
Tenho um projeto futuro de lançar um livro de fotopoemas, que por enquanto não sei se irá se realizar. Por se tratar de um formato de publicação que demanda de um papel de qualidade melhor e um cuidado maior de diagramação, custa muito caro. Não pode ser meramente tinta sobre papel.
JP: Seu último livro “O Fim do Brasil” foi publicado pela editora 7 Letras, ao contrário dos anteriores, publicados pela Chiado Books. Como se deu essa transição de editora?
LSM: Meus dois primeiros livros de poesia “Leve Poesia e “Algo de sempre”, foram publicados por conta própria. Em seguida, os livros de poesia “Dislexias” e “Amor de Palavra”, a obra infantil “O livro de João”, a coletânea de crônicas publicadas na imprensa local, desde a década de 90 “Anacrônicas” e o romance “Entrevista com o professor”, foram publicados pela Chiado Books.
Quando terminei “O Fim do Brasil”, meu oitavo livro, mandei a proposta de publicação para as editoras Chiado Books e 7 Letras e tive um retorno positivo das duas. Decidi mudar de ares e optei pela 7 Letras. Não me arrependo da decisão e, isso não quer dizer que eu nunca mais irei publicar nada pela Chiado Books, não houve qualquer animosidade entre as partes.
JP: Este livro reflete no obscuro momento em que o país atravessa. De onde tira ânimo para continuar escrevendo neste clima e ainda por cima, no meio de uma pandemia?
LSM: Para ser muito honesto, não haveria como eu não escrever “O Fim do Brasil”. Foi um livro que comecei a escrever antes da pandemia e parcialmente depois que ela começou. No próprio livro, por exemplo, faço menção direta ao Covid-19. Novamente faço menção fato de ser um livro o olho do furação, lançado enquanto o furacão ainda está em vigor. Ele partiu de uma necessidade minha de posicionar quanto ao Brasil de hoje. Não houve sequer uma noite de autógrafos e provavelmente nem haverá. Lancei o livro consciente disso e acredito que a pandemia no Brasil só irá acabar quando houver uma vacina.
Quanto a ânimo para escrever no geral, é uma tentativa de dar sentido à minha vida, que eu compreendo ser única. Não faço a menor ideia do que vem depois dela e também não fico cogitando sobre isso. Até brinco que não estou preocupado com o além, e, sim com o aquém. Me envolvo muito com esse aquém, em tudo que escrevo. Não tenho uma literatura mística ou mítica, e no bom sentido do termo, minha escrita é muito “mundana”. É o meu jeito de estar no mundo, tentando fazer o meu melhor. Um modo de me achar ou me perder, dependendo da ocasião, mas eu mais me acho do que me perco. E quando me perco fazendo literatura, este fato diz respeito ao fazer literário em si e não à minha pessoa.
Quem me conhece, sabe que eu sempre digo, que para alguns males não há cura. Um mau físico pode não ter cura, mas quanto aos males que tem cura, todos eu resolvo com as leituras e com a literatura que eu faço. É o meu jeito próprio de resolver aquilo que não pode ser resolvido. Vejo a literatura como um testemunho e uma diversão e não só como cura.
Não acho fácil a tarefa de escrever. Até para um bilhete que eu deixo para minha mãe ou uma mensagem de WhatsApp, penso e repenso bastante. Não imagino minha vida sem literatura, seja a que eu leio ou escrevo.
Talvez haja até uma teimosia: não podemos nos render, e temos que procurar o melhor da gente e dar a nossa contribuição. Pode parecer até piegas, mas a gente não pode desistir. Nem é hora para isso. É a hora de ter ânimo. Cada um no seu ofício, no seu espaço, no seu meio, com suas convivências. Ainda que seja uma luta vã, não podemos perder a utopia.
Não devemos de deixar de lutar por um Brasil menos babaca, menos preconceituoso e menos desinformado. Temos que lutar por um Brasil que não se guie por mentirosos, por gente que defende tortura, ditaturas, ditadores ou por gente que se envolve com milícias. O Brasil merece mais, muito mais. Esse tipo de gente que dissemina mentira e desinformação quer exatamente que a gente desista. Até pra fazer raiva e pirraça nesse povo não podemos desistir. Não devemos desistir por nós mesmos e pelos nossos.
LSM: No momento estou lendo dois livros paralelamente. O novo livro do Jessé Souza intitulado “A guerra contra o Brasil”, que nada mais é do que o bom e velho Jessé Souza, sendo Jessé Souza. Um livro imprescindível, assim como todos os demais dele.
E estou lendo também uma biografia de uma autora que admiro demais, aproveitando para complementar a resposta anterior de escritores que me influenciam, com esta poetisa polonesa Wisława Szymborska. Outra autora que revisito com muita frequência e me faz um bem danado ler, reler e conhecer sobre.
JP: Suas obras transitam por modalidades como poesia e prosa, passeando pelas crônicas, contos, etc. De todos os livros que publicou, qual considerou mais desafiador e qual é o seu favorito?
LSM: Sempre tive muita dificuldade em eleger qualquer coisa preferida. Mas respondendo à pergunta, citarei três deles: o segundo livro que escrevi “Algo de sempre”, a obra infantil “O livro de João” e o último que escrevi “O Fim do Brasil”. O meu menos favorito, nem tanto pela temática, mas pelo modo que foi escrito, é “Leve poesia”, meu primeiro livro, lançado no ano 2000, que hoje encaro com certa reserva.
O livro mais desafiador que escrevi foi o último, porque ele foi lançado no olho do furacão, enquanto o furacão ainda está em vigor. Evidentemente a obra fala sobre como eu vejo a política e o Brasil. Em especial, o Brasil de 2013 pra cá, quando começaram as manifestações em São Paulo, a princípio locais, em virtude do preço da passagem dos ônibus, o que depois tomou outra dimensão a partir do papel da mídia. Um livro com a pretensão ou intenção – depende de quem o ler - de ser o testemunho de como eu vejo o brasileiro.
Ele é bastante desafiador em como está sendo recebido, pois o livro pode provocar discordâncias profundas devido ao cenário político e polarizado pelo qual estamos passando. Ele pode até ser mal aceito, o que eu confesso, não me preocupar. Não irá pairar um consenso em torno dele, mas eu já sabia disso quando o escrevi.
JP: Conte um pouco de sua trajetória como comunicador em Patos de Minas.
LSM: Eu ouvindo bastante rádio por influência do meu pai, que também escutava muito rock e música caipira. Ele era eclético, e lá em casa havia a discografia do Led Zeppelin, discos dos Beatles e da banda Uriah Heep, e ao mesmo tempo escutávamos Tonico & Tinoco e muito rádio.
Cresci ouvindo a velha guarda do rádio brasileiro e patense, com a Rádio Clube, a Rádio Princesa de Lagoa Formosa, e rádios do Rio de Janeiro e São Paulo. Lembro de escutar o Faustão em rádio, no programa Balancê, da extinta rádio Excelsior. Escutei demais a Rádio Globo do Rio, com o vozeirão padrão do Edmo Zarife. Foi natural que despertasse o interesse e na adolescência já me veio a vontade de trabalhar em rádio. Antes de trabalhar no rádio eu dava aula de inglês e em meados de 1989, comecei na Rádio Clube FM, onde trabalhei por 15 anos. Foi um tempo muito bom porque eu queria muito aquilo e o rádio me proporcionava muita alegria, além de camuflar a minha timidez.
Eu era leitor da revista musical Bizz e tive a ideia a de levar o universo das bandas que eu ouvia para o rádio, tentando fazer com que além de tocar as músicas e dizer a hora certa, também informar os ouvintes. Foi um estilo que adotei e eu me tornei um locutor que eu mesmo gostaria de escutar. Era difícil fazer isto, pois não havia internet, mas eu sempre procurava me informar sobre o que estava acontecendo lá fora. Hoje eu confesso que perdi o contato com o rádio, e ele se tornou um meio de comunicação com que eu raramente convivo. Perdi o interesse pelo rádio feito em Patos de Minas e no Brasil, mas devo muito a esse meio de comunicação, que é no mínimo muito charmoso.
JP: Nas redes sociais você está sempre ligado ao que acontece na cidade e quase sempre, fotografa os assuntos que estão em evidência. Percebo ainda que estes trabalhos fotográficos aparecem acompanhados de versos. Como você relaciona a fotografia com a poesia?
LSM: O exercício intenso da fotografia veio tarde em minha vida, quando eu tinha uns 34 anos. Na época eu comprei a minha primeira câmera digital, uma Canon Powershot A300, que me arrependo de ter vendido. Eu a comprei num momento em que eu já não fotografava há muito tempo. Na minha adolescência e começo da vida adulta, fotografei muito e já tinha um entusiasmo por aquilo.
De 2004 pra cá, o exercício da fotografia intensificou bastante. Pela facilidade do digital, passei a fotografar demais. Como eu já havia publicado os dois primeiros livros “Leve Poesia e “Algo de sempre”, e um bom número de crônicas na imprensa local, foi meio natural a tentativa de criar uma convergência ou união entre a fotografia e a literatura. Eu chamo isso de fotopoemas, e por meio disso eu tentei e tento até hoje, nunca soar óbvio.
Curiosamente, o modelo para isso veio com uma coluna que na havia na revista Caras. Havia duas seções que eu me interessava bastante, uma de citações de personalidades, e outra chamada “Foco”. Nesta coluna de apenas uma página, havia uma foto de banco de imagens, devidamente creditada, acompanhada de um poema de algum escritor famoso. O responsável pela coluna tinha a sensibilidade de fazer com que os dois dialogassem, sem que esse diálogo soasse óbvio.
Desde então, eu tento fazer isso no que eu produzo. Há momentos em que o texto vem primeiro, ou vice-versa. As vezes tiro uma foto que pode ser usada num poema, mesmo que ele ainda não tenha sido escrito.
Tenho um projeto futuro de lançar um livro de fotopoemas, que por enquanto não sei se irá se realizar. Por se tratar de um formato de publicação que demanda de um papel de qualidade melhor e um cuidado maior de diagramação, custa muito caro. Não pode ser meramente tinta sobre papel.
JP: Seu último livro “O Fim do Brasil” foi publicado pela editora 7 Letras, ao contrário dos anteriores, publicados pela Chiado Books. Como se deu essa transição de editora?
LSM: Meus dois primeiros livros de poesia “Leve Poesia e “Algo de sempre”, foram publicados por conta própria. Em seguida, os livros de poesia “Dislexias” e “Amor de Palavra”, a obra infantil “O livro de João”, a coletânea de crônicas publicadas na imprensa local, desde a década de 90 “Anacrônicas” e o romance “Entrevista com o professor”, foram publicados pela Chiado Books.
Quando terminei “O Fim do Brasil”, meu oitavo livro, mandei a proposta de publicação para as editoras Chiado Books e 7 Letras e tive um retorno positivo das duas. Decidi mudar de ares e optei pela 7 Letras. Não me arrependo da decisão e, isso não quer dizer que eu nunca mais irei publicar nada pela Chiado Books, não houve qualquer animosidade entre as partes.
JP: Este livro reflete no obscuro momento em que o país atravessa. De onde tira ânimo para continuar escrevendo neste clima e ainda por cima, no meio de uma pandemia?
LSM: Para ser muito honesto, não haveria como eu não escrever “O Fim do Brasil”. Foi um livro que comecei a escrever antes da pandemia e parcialmente depois que ela começou. No próprio livro, por exemplo, faço menção direta ao Covid-19. Novamente faço menção fato de ser um livro o olho do furação, lançado enquanto o furacão ainda está em vigor. Ele partiu de uma necessidade minha de posicionar quanto ao Brasil de hoje. Não houve sequer uma noite de autógrafos e provavelmente nem haverá. Lancei o livro consciente disso e acredito que a pandemia no Brasil só irá acabar quando houver uma vacina.
Quanto a ânimo para escrever no geral, é uma tentativa de dar sentido à minha vida, que eu compreendo ser única. Não faço a menor ideia do que vem depois dela e também não fico cogitando sobre isso. Até brinco que não estou preocupado com o além, e, sim com o aquém. Me envolvo muito com esse aquém, em tudo que escrevo. Não tenho uma literatura mística ou mítica, e no bom sentido do termo, minha escrita é muito “mundana”. É o meu jeito de estar no mundo, tentando fazer o meu melhor. Um modo de me achar ou me perder, dependendo da ocasião, mas eu mais me acho do que me perco. E quando me perco fazendo literatura, este fato diz respeito ao fazer literário em si e não à minha pessoa.
Quem me conhece, sabe que eu sempre digo, que para alguns males não há cura. Um mau físico pode não ter cura, mas quanto aos males que tem cura, todos eu resolvo com as leituras e com a literatura que eu faço. É o meu jeito próprio de resolver aquilo que não pode ser resolvido. Vejo a literatura como um testemunho e uma diversão e não só como cura.
Não acho fácil a tarefa de escrever. Até para um bilhete que eu deixo para minha mãe ou uma mensagem de WhatsApp, penso e repenso bastante. Não imagino minha vida sem literatura, seja a que eu leio ou escrevo.
Talvez haja até uma teimosia: não podemos nos render, e temos que procurar o melhor da gente e dar a nossa contribuição. Pode parecer até piegas, mas a gente não pode desistir. Nem é hora para isso. É a hora de ter ânimo. Cada um no seu ofício, no seu espaço, no seu meio, com suas convivências. Ainda que seja uma luta vã, não podemos perder a utopia.
Não devemos de deixar de lutar por um Brasil menos babaca, menos preconceituoso e menos desinformado. Temos que lutar por um Brasil que não se guie por mentirosos, por gente que defende tortura, ditaturas, ditadores ou por gente que se envolve com milícias. O Brasil merece mais, muito mais. Esse tipo de gente que dissemina mentira e desinformação quer exatamente que a gente desista. Até pra fazer raiva e pirraça nesse povo não podemos desistir. Não devemos desistir por nós mesmos e pelos nossos.
3 Comentários
Entrevista interessantíssima. Parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirGostei muito da entrevista. Lívio é um grande artista e excelente profissional.
ResponderExcluirMeu professor
ResponderExcluirObrigado por comentar!