Patos de Minas se esqueceu da pandemia

Por Caio Machado

Precisei ir à Caixa Econômica Federal na última segunda-feira e me assustei com a quantidade de pessoas descumprindo as medidas de segurança para evitar a proliferação do COVID-19. Era gente sem máscara, fumando (na maioria, idosos) e desrespeitando o distanciamento mínimo de um metro e meio entre cada pessoa.

Devido ao assustador montante de patenses que perderam os empregos e precisam sacar FGTS, seguro-desemprego ou mesmo o benefício emergencial do governo, a agência fica abarrotada diariamente. Os funcionários até tentam orientar as pessoas, mas via de regra, a fila dobra o quarteirão invadindo a Major Gote.

Estava fazendo bastante frio e a neura de que eu iria me contaminar com o coronavírus me corroía. O rapaz que estava na minha frente, e segundo a namorada que discutia com ele, nem deveria estar ali, fumava um cigarro paraguaio daqueles bem fedorentos. Nunca imaginei que eu poderia me sentir mais seguro dentro da Caixa...

No interior, passei pela porta giratória e ao pegar meu celular e chave, pedi álcool em gel para a vigia, que disse que o produto era dela, mas iria me ceder. Agradeci aliviado, mas me lembrei do decreto municipal que obriga os bancos a disponibilizarem álcool em gel aos clientes. Se havia em outro local, não fui sequer informado. Resolvi meu problema rapidamente e deixei o local bastante apreensivo.

Enquanto voltava para casa, notei que as ruas estavam mais cheias do que deveriam estar. Em seguida, também precisei fazer compras em um supermercado e a situação não foi menos assustadora e preocupante. A contradição começa logo na entrada. Você precisa pegar um carrinho ou cesta utilizado por alguém, com a plena certeza de que eles não foram higienizados.

Em alguns dos estabelecimentos, ainda se faz necessário procurar por algum frasco de álcool em gel se você quiser se limpar, ninguém te auxilia em nada. Em outros, você recebe a senha de controle do número de pessoas em uma mão, e uma borrifada de álcool na outra. Um baita paradoxo! Pelos corredores, pessoas ficam próximas umas das outras, algumas delas com a máscara no queixo, com o nariz de fora, ou com o aparato dependurado pela orelha.

Deu vontade de estar na Nova Zelândia, país da Oceania que registrou apenas 22 óbitos nos pouco mais de 1500 casos de COVID-19. Devido ao brilhante trabalho da primeira-ministra Jacinda Ardern, o país conseguiu interromper a transmissão por agir rápido. Já no Brasil, o presidente louco abraça seguidores e marca churrascos...

Voltando a Patos de Minas, não parece que estamos numa cidade em que pelo menos 48 pessoas já estão infectadas. Nem sequer que vivemos no país com quase 220 mil casos ativos, em que mais de 1000 pessoas morrem diariamente devido a doença e ocupa a quarta posição, na lastimável lista de países com maior números de casos.

400 casos suspeitos, para uma cidade com 150 mil pessoas, parece uma soma pífia. Aliás, 0,2% de um total é muito pouco. Assim como as 27 mil mortes por Coronavírus representam apenas 0,1% dos 209 milhões de habitantes do país. Porém, o número de casos confirmados no Brasil era quatro vezes menor no mês anterior.

E este número cresce, cresce e cresce, assombrosamente. É uma loteria que premia até mesmo que não joga e é bem mais fácil de ganhar do que uma Mega Sena da vida... Será que a cidade está pagando pra ver? Precisamos ver algum conhecido, amigo ou parente sucumbir para começar a levar a sério o COVID-19?

Eu não conheço ninguém que está com a doença. Não tenho controle das publicações dos mais de 1200 amigos que possuo no Facebook, e soube de apenas um conhecido por lá, que se contaminou e recuperou. Não que eu esteja esperando aparecer algum caso próximo para começar a me cuidar. Nem de longe!

Falando nisso, é curioso pensar que estamos numa era em que conseguimos manter contato com pessoas em qualquer lugar do mundo por meio da internet, mas ainda sim, existem aqueles teimosos que dizem não aguentar passar a quarentena longe das pessoas queridas...

Isto me faz lembrar da trágica história da alemã judia Anne Frank, que durante a Segunda Guerra Mundial, precisou se esconder dos nazistas em um anexo secreto na empresa em que o pai trabalhava em Amsterdã, na Holanda. Ela dividia o cubículo com mais sete pessoas, o pai, a mãe, a irmã e uma outra família.

O local era extremamente pequeno, não dava nem pra ver o sol, eles tinham que fazer absoluto silêncio durante o dia e comer apenas o que conseguissem das pessoas que os ajudavam a ficar escondidos. O pai da adolescente colou imagens nas paredes do local e aquilo era tudo que eles possuíam para se lembrar do mundo exterior.

Eles permaneceram lá de 1942, até perto do encerramento da guerra em 1945, mas foram traídos e mortos em campos de concentração. Apenas o pai de Anne sobreviveu. A história chegou a público por meio do diário que a menina escrevia. Todos os anseios, angústias, discussões familiares e pedaços de memória vieram dali.

Eu li o diário dela sabendo que ela iria morrer, mas mesmo assim eu me emocionava e torcia para que o desfecho fosse diferente. Com as medidas de higienização, isolamento e distanciamento social de que dispomos, podemos praticamente escolher o fim de nossas histórias, mas ainda sim, pessoas insistem em ignorá-las.

Hoje podemos registrar tudo em publicações do Facebook, Twitter e Instagram. Realizar videoconferências com qualquer pessoa que disponha de um computador com câmera e microfone ou smartphone. Podemos sair para ver o sol, escolher o que comprar... é surreal comparar isto com o que Anne Frank passou antes de partir.

A tragédia de Anne Frank é um caso isolado nas 85 milhões de vidas ceifadas durante a Segunda Guerra Mundial. Até o momento, o Coronavírus dizimou 361,763 pessoas no mundo inteiro, desde que surgiu, e novamente, o número é pequeno se fizermos uma comparação breve entre os dois eventos.

De tudo que abri mão durante esta interminável quarentena, o que mais me entristece é a saudade de minha avó. Ela tem 89 anos e, obviamente, faz parte do grupo de risco. Não há vejo desde o começo do mês de março, mas tenho a sorte de conseguir ligar para ela, quando eu quiser, e escutar aquela voz suave e acalentadora.

Eu escolhi não a ver, justamente por zelar por ela. Tem gente que não pode escolher deixar de trabalhar e ficar em casa. Outras pessoas, sequer possuem casas. Se quem pudesse ficar em casa respeitasse as medidas de distanciamento e não colocassem em risco, quem precisa trabalhar, sairíamos dessa bem mais rápido.

É egoísmo ou hipocrisia dar saidinhas e fazer festas, enquanto outras pessoas se privam de estar com entes queridos e outras se matam em hospitais para tratar pessoas infectadas, perdem noites de sono para tentar encontrar uma cura ou singelamente correm risco e trabalham para garantir comida na mesa?

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5 Comentários

  1. Que bela crônica! E o triste é ouvir de tanta gente que, "esse álcool é meu!"

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  2. Gostei muito do texto. Realmente é muito triste saber que existem pessoas que não se preocupam com essa situação.

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  3. Muito real ,eu também tenho observado tudo isso que foi falado no texto,nós vivemos numa cidade tão boa , temos de fazer a nossa parte e cobra dos que não fazem

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  4. Seu Texto traduz toda uma realidade.

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